Considerado um dos tumores mais agressivos e de difícil diagnóstico, o câncer de pâncreas é também mais complexo do que se imaginava. Um novo estudo publicado na revista “Nature” mostra que a doença, até hoje abordada de forma única, tem na verdade quatro subtipos, cada qual com diferentes gatilhos genéticos e taxas de sobrevida. Conhecer esta classificação pode levar a melhorias na detecção e no desenvolvimento de remédios mais adequados para cada paciente.

O levantamento, capitaneado por pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, examinou 456 casos de tumores do pâncreas. Foram identificados 32 genes que passam por mutações que danificam o tecido do órgão. A análise desses genes revelou quatro subtipos do câncer — escamosos, progenitores pancreáticos, imunogênicos e de células aberrantes diferenciadas endócrinas e exócrinas (Adex).

Principal autor do estudo e pesquisador do Instituto de Biociência Molecular em Melbourne, Sean Grimmond alerta para a necessidade de obter mais informações sobre as pouco conhecidas causas genéticas do tumor pancreático, já que a maioria dos pacientes vive só alguns meses após o diagnóstico. Acredita-se que este será o segundo tipo de câncer mais comum nos países ocidentais na próxima década, atrás apenas do tumor de pulmão.

— O modelo de tratamento para o câncer de pâncreas não mudou muito nas últimas décadas — conta Grimmond, acrescentando que a taxa de sobrevida de dez anos é vista em apenas 1% dos casos. — Há muitas opções de quimioterapia, mas normalmente não são seletivas. É como combater a doença de olhos fechados. Se soubermos o subtipo do paciente, o médico terá mais recomendações para o tratamento.

Além de descobrir os quatro subtipos, a equipe de Grimmond identificou dez vias genéticas que transformam o tecido pancreático normal em cancerígeno. Alguns destes processos estão relacionados a outros órgãos, como a bexiga e o pulmão — assim, o tratamento do câncer de pâncreas poderia se aproveitar de remédios que, hoje, são destinados a doenças de outras partes do organismo.

— Algumas linhagens de câncer de pâncreas têm uma associação inesperada com mutações normalmente relacionadas ao câncer de cólon ou à leucemia, por exemplo, doenças para as quais já existem drogas experimentais disponíveis — explica o pesquisador.

O oncologista Fernando Meton destaca que, no início, o câncer era tratado pela anatomia — a cada órgão era destinado um determinado remédio, sem outra discriminação. Hoje, no entanto, já se sabe que os tumores têm “sobrenome e um número de identidade”. Suas características genéticas, que não eram analisadas, são cruciais para que os médicos acompanhem o comportamento da doença.

— O estudo mostra a importância em tratar as alterações moleculares — ressalta Meton, diretor médico do Grupo Clínicas Oncológicas Integradas. — Desta forma conseguiremos investir em uma quimioterapia que ataque somente as células problemáticas e que passam por mutações, poupando as saudáveis.

AVANÇO NA MEDICINA ESPECIALIZADA

Professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, Jerson Lima Silva avalia que a maior contribuição do estudo foi mostrar como a separação dos tipos de câncer de pâncreas pode levar a avanços médicos semelhantes aos vistos no combate de outros tumores.

— Ao analisar as mutações dos genes, os pesquisadores viram como alguns tumores têm semelhanças com grupos como os de câncer de cólon ou pulmão, entre tantos outros. Desta forma, podemos redirecionar a terapia para investir em tratamentos próprios, a chamada medicina individualizada.

No Brasil, o tumor pancreático é responsável por cerca de 2% de todos os tipos de câncer diagnosticados e por 4% das mortes pela doença — 8.710 pessoas — segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA).

 

Fonte: Extra