O trabalho foi desenvolvido conjuntamente entre o Laboratório de Genética Humana e Médica (LGHM) e o Núcleo de Pesquisas em Oncologia (NPO) e envolvendo os Programas de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM) e de Oncologia e Ciências Médicas (PPGOCM).

“O diagnóstico precoce do câncer gástrico é extremamente difícil, pois consiste em uma doença silenciosa no início. Assim, o paciente só tem conhecimento de sua condição nos estágios mais avançados, isso dificulta o manejo da doença e diminui consideravelmente a chance de cura”, afirma o doutor em Genética e Biologia Molecular Adenilson Leão Pereira.

Não há sintomas específicos para o câncer de estômago, no entanto existem sinais detectáveis, como a perda de peso e de apetite, vômitos, náuseas e desconforto abdominal, os quais tendem a passar despercebidos. Segundo o Instituto Nacional Brasileiro de Câncer (INCA), em 2018, o câncer de estômago foi o segundo mais frequente em homens e o quarto mais frequente em mulheres, no Estado do Pará.

Uma das principais causas que podem originar um tumor no tecido gástrico é a infecção pela bactéria Helicobacter pylori. A bactéria está presente no estômago de mais de 40% da população brasileira. “A infecção por H. Pylori também é silenciosa. A bactéria precisa persistir ao longo dos anos para que o paciente desenvolva um câncer de estômago, portanto há tempo para uma intervenção se ocorrer o diagnóstico precoce”, alerta Adenilson. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, essa bactéria é um carcinógeno do tipo 1 para o câncer do estômago, da mesma forma que o tabaco o é para o câncer de pulmão.

Biomarcador indica alterações no organismo

Uma forma de diagnosticar e monitorar os diferentes tipos de doenças é por meio de biomarcadores. “Chamam-se ‘bio’ porque eles vêm de amostras biológicas, nesse caso, de humanos, e servem para indicar alterações no organismo que esteja em processo de adoecimento”, explica Adenilson Pereira.

Porém os biomarcadores existentes atualmente para o câncer gástrico não são tão eficientes, principalmente quando se deseja diagnosticar os estágios iniciais da doença. O pesquisador destaca que a forma mais efetiva de diagnóstico é por meio da endoscopia. Todavia, esse é um procedimento invasivo e relativamente caro, dificultando o acesso de uma parcela da população.

Na tese intitulada MicroRNAs como biomarcadores do campo de cancerização gástrico, Adenilson Pereira, orientado pela professora Ândrea Ribeiro dos Santos, estudou uma alternativa que fosse eficaz para o diagnóstico da doença. A pesquisa foi desenvolvida pelo Laboratório de Genética Humana e Médica da UFPA, com apoio do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM/ICB/UFPA) e do Núcleo de Pesquisa em Oncologia do Hospital Universitário João de Barros Barreto (NPO/HUJBB/UFPA). “O objetivo do estudo foi encontrar potenciais marcadores que pudessem distinguir indivíduos saudáveis de indivíduos portadores da doença, visando encontrar um biomarcador para os estágios iniciais da doença”, explica o autor.

Os microRNAs são pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas. “A principal função do microRNA é regular a expressão gênica em nível pós-transicional, isto é, eles regulam a expressão de RNAs mensageiros de genes alvos específicos”, esclarece Adenilson Pereira. Entretanto, em indivíduos com câncer, o microRNA age anormalmente e causa interferências na produção de proteínas essenciais para o bom funcionamento do organismo. “Nesse contexto, essas pequenas moléculas podem ser utilizadas como marcadores genéticos, uma vez que o paciente portador de câncer pode expressar esses marcadores de forma atípica”, acrescenta.

Foram sequenciadas 48 mostras de tecido gástrico

“A primeira metodologia empregada no estudo foi o sequenciamento de nova geração ou NGS. Nós utilizamos uma plataforma de sequenciamento de nova geração chamada MiSeq. Nela, sequenciamos bibliotecas genômicas de 48 amostras de tecidos gástricos preparadas com kits específicos. Com a amostra, o sequenciador gerou alguns milhões de reads, que são pequenas sequências de leitura que representam os fragmentos do DNA que se pretende identificar”, conta Adenilson Leão Pereira. Então, o pesquisador fez uma análise computacional dos reads e foi possível identificar quais genes de microRNAs estavam com a expressão alterada nas amostras de câncer.

“A segunda metodologia foi a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) em tempo real, usada para a validação dos dados encontrados por meio do sequenciamento de nova geração (NGS). Como a metodologia de NGS é relativamente cara, precisávamos validar nossos achados por metodologias consideradas sensíveis e válidas. No resultado final, identificamos vários microRNAs alterados no câncer gástrico que podem ser utilizados como potenciais biomarcadores, tanto para os estágios avançados como para os estágios iniciais da doença”, descreve o biólogo.

Para a elaboração da tese, Adenilson Pereira também estudou a teoria do Campo de Cancerização, que diz que a região ao redor do tumor também possui alterações que podem predispor essa região ao surgimento de novos tumores. “Durante a cirurgia, além do tumor, alguns centímetros de tecido ao redor dele também são retirados como margem de segurança. De acordo com a teoria, embora essa região não possua alterações observáveis a olho nu, ela pode ter alterações em nível molecular, como alteração na expressão de genes relacionados ao câncer. Foi possível confirmar que o tecido adjacente, de fato, compartilha alterações que estão presentes no tumor”, revela o pesquisador.

Maus hábitos colaboram para o adoecimento

A importância da pesquisa também se dá pelo fato de o câncer gástrico ser recorrente no Pará. Isso está diretamente relacionado aos hábitos da população, como o consumo excessivo de cigarro, álcool e alimentos pré-processados. A ingestão exagerada de sal também é um fator prejudicial, pois o sódio e os nitritos agridem a mucosa gástrica saudável, podendo causar dano às células normais.

“Além disso, muitas famílias do interior do Pará possuem o hábito de salgar os alimentos perecíveis (carnes e pescados) como meio de conservá-los ao longo dos dias. Todos esses fatores podem contribuir para o desenvolvimento do câncer gástrico”, afirma Adenilson Pereira.

Como prevenção, o INCA sugere que as pessoas mantenham um estilo de vida saudável, evitem o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e de sal em excesso. Também vale ressaltar a importância de consultar-se regularmente, para que o diagnóstico e o tratamento ocorram o mais rápido possível. “Quando o paciente é diagnosticado nos estágios iniciais do câncer, isso certamente contribui para as chances de sobrevida e de cura. É exatamente isso que se tem em mente quando uma pesquisa sobre biomarcadores é realizada”, conclui.

Por Flávia Rocha Foto Nayana Batista

Ed.149 - Junho e Julho de 2019